terça-feira, 21 de abril de 2009

O Caso Afonso Henriques

Numa altura em que se celebram os 900 anos do nascimento do primeiro Rei de Portugal a polémica reacende-se acerca do local de origem de Dom Afonso Henriques, se nasceu em Guimarães ou em Viseu. Várias são as teses existentes e os historiadores dividem-se…

Mas não é sobre a História de Portugal que vos venho falar, nem do berço da nacionalidade, muito menos do Rei, que em comum com a matéria que vos trago apenas tem o nome e a controvérsia.

Esperando poder com este artigo contribuir para o esclarecimento dos nossos leitores gostaria em primeiro lugar de recordar o que deu origem a toda esta discussão: Afonso Henriques, poldro de três anos oriundo da Coudelaria Monte Velho, alegadamente sofria de "Criptorquidia Bilateral" e na última edição da Feira Nacional do Cavalo apresentou-se a concurso na respectiva prova de Modelo e Andamentos, onde ganhou. Fora do prazo estipulado pelo Regulamento do Concurso, o Dr. Domingos Figueiredo apresentou uma reclamação, colocando em causa a admissão e a classificação do poldro.

O Júri de Admissão, presidido pelo Dr. Filipe Figueiredo (Graciosa) considerou o poldro apto para participar na competição, como explica o próprio em missiva dirigida à APSL: "o concurso em causa chama-se XLIX Concurso Nacional Oficial de Apresentação do Cavalo de Sela e não é uma candidatura à classe de Reprodutores ou um concurso de Reprodutores. A classe em causa é de poldros, machos de 3 anos apresentados à mão. Nesta idade, os animais não se podem candidatar ao livro de Reprodutores, dado o desenvolvimento sexual não estar terminado". Esta é a fundamentação e interpretação do Presidente do Júri de Admissão, de um Regulamento pouco objectivo e desadequado, conforme reconhece a própria Associação da Feira Nacional do Cavalo na alínea "d" da sua deliberação de 20 de Março último, que recomenda "que sejam revistos com a maior brevidade possível e objectividade necessária os actuais regulamentos para que não voltem a repetir-se situações idênticas". Importa esclarecer que o Regulamento no seu artigo terceiro - Admissão, refere que só são admitidos a concurso animais com «ausência de sinais de doença, (...) e que satisfaçam as condições de admissão no Livro de Reprodutores» e nas duas secções do art. 6.º, (Animais de 3 e 4 anos), só poderão ser admitidos cavalos inteiros.

Para o Arq.º Diogo Lima Mayer, proprietário e criador de Afonso Henriques havia o conhecimento de situações anteriores que "na categoria de 3 anos dos concursos de Modelo e Andamento, não é exigido que os cavalos se apresentassem com os órgãos genitais totalmente desenvolvidos. Foi nessa tranquilidade, que o enviei a concurso, na certeza de que se houvesse algum problema, o cavalo não passaria na inspecção veterinária. Tanto quanto as informações que tinha, ele estava em condições para entrar em concurso, como a inspecção veterinária confirmou, e por isso não me surpreendeu ter sido aprovado. O cavalo foi apresentado e ganhou, penso eu, com todo o mérito. Foi uma decisão dos juízes e estão publicadas as pontuações.Não sou jurista e não sei se do ponto de vista legal, foi cometida alguma ilegalidade, nem me compete a mim decidir isso. Eu fiz o que, pelo regulamento estava estipulado ter feito, ou seja, apresentar o cavalo à inspecção veterinária. Aí foi aprovado, logo levei-o a concurso."

O Dr. João Paulo Marques, colaborador da nossa revista para a área da Veterinária, considera que relativamente aos Concursos de Modelo e Andamentos, nas classes de poldros de várias idades, "temos assistido a algumas situações em que poldros criptorquideos são admitidos a julgamento. Isso poderá ser admissível do ponto de vista puramente veterinário dada a possibilidade de se tratar de criptorquidismo inguinal temporário, não sendo geralmente possível um diagnóstico definitivo apenas através da palpação externa e sem tranquilização. Por outro lado, a referência no Regulamento de que «não são admitidos os animais que não satisfaçam as condições de admissão no Livro de Reprodutores» parece implicar a exclusão destes animais, se forem usados os mesmos critérios que para um cavalo adulto."

Outros médico-veterinários foram consultados pela APSL no sentido de obter pareceres. O Dr. José Núncio Fragoso, por exemplo, considera que a Criptorquidia "é um defeito e não uma doença", tese que a ser validada poderia esvaziar algumas das exigências do Regulamento e dar razão a quem defende a admissão e classificação do poldro. Na mesma linha vai o parecer do Dr. José Prazeres que admite a existência de várias teorias mas que "a balança pende para o defeito, i.e. hereditário". Outro dos pareceres solicitados pela APSL foi ao médico-veterinário brasileiro Orpheu Ávila que é peremptório ao afirmar que não se justifica exigir a presença dos testículos na bolsa escrotal para as classes de 1, 2 e 3 anos. Ávila refere ainda que "esta exigência só deveria ser feita a partir dos 4 anos". Pelas razões apresentadas, a haver dissonância essa parece ocorrer mais na esfera estritamente jurídica da interpretação do regulamento, por isso a AFNC - Associação da Feira Nacional do Cavalo solicitou um parecer ao advogado Frederico Bonacho dos Anjos, também ele criador e membro dos corpos sociais da APSL, que defende a desclassificação de Afonso Henriques. Da sua análise, entre outros, ressalta desde logo, a opinião de que ao ter sido admitido o poldro "violou a nota do artigo 3.º" e determina que o mesmo deveria ter "sido liminarmente excluído do concurso na fase da respectiva admissão".

Importa esclarecer que este parecer foi tido em conta pela Direcção da AFNC na reunião de direcção que deliberou acerca deste caso, ainda assim aproveitou para na alínea "a" tomar em consideração por recomendação a reclamação de Domingos Figueiredo, "por esta não ser considerada juridicamente extemporânea", mas na alínea seguinte vem a referência ao ponto da discórdia onde parece sentenciar as pretensões dos defensores da desclassificação ao considerar precisamente o contrário: "não tendo o poldro Afonso Henriques, ainda 4 anos, estaria em condições de ser admitido nesta classe".

Poderia o assunto ter ficado por aqui e o caso ser encerrado, mas quem tem uma interpretação bem diferente é o Dr. Domingos Figueiredo (Graciosa) quem despoletou o caso e pretende ir até às últimas consequências, inclusive para os tribunais civis para "promover uma acção popular no Tribunal Cível da Golegã contra a FNC para a obrigar a repor a legalidade e fazer cumprir os regulamentos violados que exigem a não admissão e consequentemente a desclassificação do cavalo Afonso Henriques". Questionado sobre se deveriam ser aplicadas aos Concursos de Modelo e Andamentos as mesmas regras exigidas para os garanhões, a resposta é clara: "Não só considero, como exijo que se cumpram os regulamentos dos mesmos concursos, que inequivocamente o exigem conforme está comprovado no texto dos mesmos e no parecer do Dr. Frederico Bonacho dos Anjos requerido pela Feira Nacional do Cavalo quanto ao processo de admissão e classificação do cavalo Afonso Henriques no X Concurso Internacional do Puro Sangue Lusitano na última Feira da Golegã de 2008. Quando soube o que se passou, não quis acreditar! Mas infelizmente era verdade e muito pior: o cavalo já tinha ganho o 2.º prémio/Medalha de Ouro com 1 ano, 1.º prémio/Medalha de Ouro com 2 anos e por fim o 1.º prémio/Medalha de Ouro com 3 anos...! E isto tudo aconteceu com o conhecimento e consentimento do Secretário Técnico e dos Veterinários/Juízes de Admissão e dos Juízes envolvidos no concurso. Os Juízes, os veterinários do Júri de Admissão e os criadores, será que não têm formação para saber que os testículos fazem parte do modelo da raça? Será que não sabem o que são órgãos sexuais em perfeito estado morfofuncional? Que não se faça a análise à fertilidade do esperma ainda vá, quanto ao resto, por amor de Deus!"

Domingos Graciosa tem sido o rosto do descontentamento criticando insistentemente a forma como o cavalo lusitano tem sido gerido nos últimos anos, as respectivas direcções da APSL, o Secretário-Geral e Técnico e a maioria dos Juízes dos Concursos de Modelo e Andamentos, porque no seu entender "a gestão da raça lusitana pela APSL e os Serviços Estatais nos últimos 12 anos, ao contrário do que é proclamado pelos mesmos, tem vindo a degradar-se de forma catastrófica conforme podemos constatar nas estatísticas e artigo do Dr. Costa Ferreira publicados pela INAPA no Livro Coudelaria Ervideira (páginas 89 a 128): em 1967 a classificação média das fêmeas era de 73.5 pontos e dos machos 75.5 pontos, em 2006 é de 72.8 pontos nas fêmeas e de 70.2 pontos nos machos. A média de pontuação de cada ano tem vindo a baixar, circunstância completamente ao invés do esperado, uma vez ser do consenso geral que a raça tem vindo a melhorar ao longo do tempo, e de forma consistente, no que em concreto está aqui em apreço: a aproximação ao padrão."

Já para o Presidente da Direcção da APSL - Eng.º Manuel Campilho, a questão relativa à admissão do poldro Afonso Henriques foi "devida e cuidadosamente analisada" considerando que "foi, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 3.º do Regulamento do mencionado concurso, apreciado pelo Júri de Admissão designado pela FNC e considerado como apto para participar na competição". Sobre as competências dos Juízes nomeados para o julgamento, considera que estes limitaram-se a "pontuar os animais admitidos à competição pelo Júri de Admissão, uma vez que não têm competência regulamentar para excluir quaisquer animais admitidos a concurso pela referida comissão veterinária. Em todo o caso, sempre se deveria atender ao facto de que o Presidente do Júri de Admissão, Exmo. Sr. Dr. Filipe Figueiredo (Graciosa) se pronunciou no sentido de que a admissão havia sido perfeitamente válida, uma vez que para a classe de 3 anos a descida dos testículos não relevava, devendo somente ser apreciada nos animais concorrentes nas classes de garanhões."

Ainda, "que qualquer reclamação deveria ter sido dirigida ao Presidente do Júri, por escrito, no prazo de uma hora a contar do momento em que foram tornados públicos os resultados da classificação, acompanhada da caução de 50 euros, nos termos e para os efeitos do disposto no nr. 6 do artigo 4.º do Regulamento do Concurso, o que tanto quanto é do nosso conhecimento, não aconteceu". Por fim Manuel Campilho esclareceu que a APSL entendeu que "a admissão do cavalo Afonso Henriques era da exclusiva competência e responsabilidade do Júri de Admissão; que não houve incumprimento de qualquer normativo regulamentar nem qualquer incumprimento quer por parte dos juízes nomeados, quer por parte do secretário técnico da APSL, e muito menos actuação dolosa e, por último não foi apresentada qualquer reclamação válida quanto à mencionada classe de animais, pelo que concluímos que não havia qualquer fundamento para a desclassificação do cavalo Afonso Henriques".

Quem discorda mais uma vez com estes e outros argumentos é Domingos Graciosa: "Pediram-me para convocar uma Assembleia-Geral Extraordinária! E eu pedi um inquérito às classificações de Reprodutores/as dos últimos 5 anos (2003 a 2007) e a suspensão, se necessário fosse, dos Juízes suspeitos e do Secretário Técnico da APSL." E vai ainda mais longe nas suas críticas referindo a existência de "processos ainda inconclusivos e que nem iniciados foram, que a serem feitos levarão à conclusão de que 90 por cento dos cavalos reprodutores/as não pontuados, igual ou acima de 80 pontos e premiados com medalhas de ouro, prata e bronze, pertencem a menos de 10 por cento dos Criadores e Juízes ligados directa ou indirectamente à Direcção da APSL e da FAR, e daí o seu autismo crónico das mesmas apesar das vãs promessas dos seus Presidentes...!Comecei por tentar ajudar a resolver um sistema corrupto, há algum tempo instalado, de selecção de reprodutores/as, criticado por todos mas muito conveniente para alguns."

Sobre a imagem e a credibilidade nacional e internacional do Puro-Sangue Lusitano, Domingos Graciosa tem referido insistentemente que esta tem sido amplamente afectada. Para alterar o rumo desta situação, diz não querer acabar com a APSL como muitos já pretenderam e tentaram criando associações similares concorrentes! "Queremos apenas purgá-la e purificá-la! O nosso projecto é simples e recomenda-se: objectividade, transparência, justiça e competência.1.º Objectividade nos critérios de selecção (privilegiando os critérios da salutar produção contra os critérios comerciais dependentes das modas)2.º Transparência nos procedimentos3.º Justiça nos julgamentos4.º Competência dos Juízes e Directores na definição dos objectivos da produção do Puro Sangue Lusitano."

Epílogo

Em resumo, parece evidente que estamos perante um Regulamento mal elaborado, com lacunas e inadequado para o concurso de Modelo e Andamentos sobretudo para a classe de poldros até 3 anos.

Ao abrigo do mesmo, apenas o júri de admissão e respectivo presidente tinham competências legais para admitir ou não a concurso qualquer animal. A justificação e interpretação de Filipe Graciosa baseia-se quase estritamente no âmbito técnico da área da sua especialidade e não jurídica como fica bem patente na resposta à solicitação da AFNC para prestar esclarecimentos afirmando que não tem qualquer fundamento a existência de reclamação "pois a descida dos dois testículos deve ser exigida unicamente na classe de «Garanhões»".

Também os membros da Comissão de Admissão foram chamados a pronunciarem-se, dos cinco apenas três colocam o seu nome na resposta a igual solicitação esclarecendo que "como é da sua obrigação, seguiram as orientações do Presidente do Júri no cumprimento do Art.º 2..."

O Regulamento impede a participação de animais com sinais de doença, em particular de natureza infecto-contagiosa, mas também aqui esta matéria não parece colher o consenso entre a análise jurídica e os pareceres de especialistas em medicina veterinária que consideram a Criptorquidia um defeito e não uma doença, podendo esvaziar assim a referida exigência.Muitas são as opiniões que já li sobre este caso, no entanto a única certeza que me parece consensual é a de que o Regulamento não serve o concurso de Modelo e Andamentos em especial para as classes de poldros até aos três anos sobretudo por não ser objectivo nem se coadunar com as exigências de tal prova.

De um lado e de outro colhem as teorias, ao que parece terá que ser a justiça civil a decidir, como de resto o faz todos os dias com inúmeros casos, umas vezes bem, outras mal. Para os descontentes a certeza de que haverá sempre recurso!

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